Porque o povo diz verdades, Tremem de medo os tiranos, Pressentindo a derrocada Da grande prisão sem grades Onde há já milhares de anos A razão vive enjaulada.
Vem perto o fim do capricho Dessa nobreza postiça, Irmã gémea da preguiça, Mais asquerosa que o lixo.
Já o escravo se convence A lutar por sua prol Já sabe que lhe pertence No mundo um lugar ao sol.
Do céu não se quer lembrar, Já não se deixa roubar, Por medo ao tal satanás, Já não adora bonecos Que, se os fazem em canecos, Nem dão estrume capaz.
Mostra-lhe o saber moderno Que levou a vida inteira Preso àquela ratoeira Que há entre o céu e o inferno.
Não sei se és parvo se és inteligente — Ao disfrutares vida de nababo Louvando um Deus, do qual te dizes crente, Que te livre das garras do diabo E te faça feliz eternamente.
II
Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente A dor, o sofrimento, a fome e a guerra? E tu não queres p'ra ti o céu e a terra.. — Não te achas egoísta ou exigente?
III
Não creio nesse Deus que, na igreja, Escuta, dos beatos, confissões; Não posso crer num Deus que se maneja, Em troca de promessas e orações, P'ra o homem conseguir o que deseja.
IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente, Quem cumpre esse dever por que receia As iras do divino padre eterno?... P'ra esses é o céu; porque o inferno É p'ra quem vive a vida à custa alheia!