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vivendo e aprendendo

partilha de experiência de vida a nivel geral. Divagar sobre pintura,poesia,história e sobre a sociedade em que vivemos.

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CONTO - 2...MANHÃ DE DOMINGO

 

 

A mão fria, quase dormente, de tão gelada que estava.

Abriu uma pestana, depois a outra, e recolheu aquela mão para debaixo do cobertor.

Zero graus era quanto marcava o termómetro.

Olhou pela vidraça da janela, que lhe trazia o céu claro, de um azul absoluto.

Do mal, o menos. Não se adivinhava chuva.

Já se habituara a temperaturas baixas. Aquela terra era assim, que podia ela fazer?

Aconchegou-se e deixou que a sua mente vagueasse.

Desfilaram na sua frente, outras manhãs de domingo, longínquas, amaralecidas pelo tempo.

Fixou-se nas alegres, porque para tristezas, bastava aquelas com que a vida gostava de a presentear.

Como num filme antigo, viu-se novamente em cima daquela mota.

O pai comprara um motão preto, enorme, nunca tinha aparecido, lá no bairro, coisa assim.

Soltava um som potente, e toda a gente olhava quando ela passava.

Aos domingos de manhã, preparava-se a trouxa, que incluia alguns presentinhos para a avó, e seguiam viagem.

As bananas.........recordava-se bem, o pai sempre fazia questão de comprar bananas para a sua mãe, que tanto tinha penado para o criar, a ele e aos nove irmãos. Ficara viuva a avó, o marido morrera com um tumor na cabeça, e deixara-a a braços, com uma casinha minúscula, cheia de catraios.

Mulher pequena e magricela, mas não lhe olhassem ao corpo. A firmeza lia-se-lhe no olhar.

Depois da trouxa preparada, era hora de se acomodarem todos em cima da máquina. O pai á frente, a seguir a mãe, entre eles o mano, que ainda era quase bébé. A ela , sorria ao lembrar-se, cabia-lhe o melhor lugar...na traseira da mota, escarranchada em cima da mala de viagem.

Dali , do seu posto, que ficava a um nível superior ao dos outros, vislumbrava tudo em redor, e absorvia todos os aromas do seu Alentejo querido, terra do seu coraçãozinho de gazela.

Não esqueceria nunca aquele manto dourado, que se estendia até a linha do horizonte, para onde quer que a sua cabeça se voltasse. Da superfície dourada, emergiam , aqui e ali, umas manchas vermelhas, de um vermelho vivo, perfeito, como se uma mão invisível, tivesse, com um pincel muito comprido, dado umas pinceladas, para quebrar a monotonia.

Não, não esqueceria o cheiro a quente que vinha da terra, que quase lhe feria as narinas.

Quando era Primavera, ao percorrerem aquele caminho, ficava-lhe impregnado o cheiro das giestas floridas. Jamais encontrara em qualquer outro lugar, aquele cheiro.

Pensava agora, o melhor que lhe ficara da infância, era aquela especie de comunhão com a natureza, aquela sensação de ser parte daquele "todo".

Um sorriso aberto estampava-se-lhe na cara, quando, do seu posto de vigia, avistava a igreja que assinalava a casa da avó.

Naquela igreja , ao lado da casinha da avó, reunia-se, ao domingo, todo o povo dos montes das redondezas. O senhor prior vinha celebrar missa.

Era a avó quem cuidava da igreja.

Quando chegavam, a avó não corria para os abraçar, esperava que corressem para ela. Como quem tivesse aprendido, que, se corrermos na direcção do que amamos, podemos perdê-lo. Como se tivesse aprendido que, se ficarmos quietinhos e soubermos esperar, a vida faz chegar até nós, coisas maravilhosas.

Aquela avó...aquela avó não lhe deixara apenas o nome como herança. Muito daquela avó corria nas suas veias.

Pensando em veias....finalmente o sangue aquecera dentro daquela mão, que acordara enrregelada.

E as horas...que horas seriam?  Não ! Dez e meia , já???

Meu Deus...mais que hora de levantar...